“Marca de luxo é ligada a trabalho degradante
Uma fiscalização, realizada em junho em São Paulo, encontrou 28 bolivianos em condições de trabalho análogas à escravidão em três oficinas que confeccionavam roupas das grifes Le Lis Blanc e Bo.Bô (Bourgeois e Bohême).
As marcas pertencem à Restoque, grupo com 212 lojas no país e que encerrou o primeiro trimestre com receita líquida de R$ 195 milhões.
À Folha a empresa informou que não tem relação com as oficinas fiscalizadas.
Após blitz feita em 18 de junho em oficinas de costura clandestinas por força-tarefa do Ministério do Trabalho, Ministério Público do Trabalho e Receita Federal, a grife foi autuada e pagou R$ 600 mil de indenização aos estrangeiros, a maior parte em situação irregular no país.
Cada trabalhador recebeu, em média, R$ 21 mil.
A empresa também recebeu 24 autos de infração pelas irregularidades cometidas. Os valores das autuações ainda estão sendo calculados, mas apenas uma das multas (por práticas discriminatórias por origem ou raça) deve chegar a R$ 250 mil.
Trabalho análogo à escravidão é a submissão a condições degradantes, como jornada exaustiva (acima de 12 horas), servidão por dívida e com riscos no ambiente de trabalho”.
A principal diferença entre o trabalho escravo e o trabalho em condições degradantes está na existência ou não de cerceamento da liberdade (o direito de ir e vir). No caso do trabalho escravo, o empregado fica impedido de deixar o seu alojamento. Algo como ‘não pode sair daqui’, ou ‘só pode sair se acompanhado’ ou ‘só pode sair depois de quitar suas dívidas conosco’.
O exemplo mais comum é o que ocorre em alguns rincões da região Norte, onde os trabalhadores são levados para fazendas distantes e obrigados a gastarem todo o seu salário para adquirir bens de consumo vendidos pela própria empresa ou fazendeiro. E, para poder sair do local de trabalho, é preciso antes ‘quitar a dívida’.
Eles trabalham essencialmente para quitar a dívida, que por sua vez nunca diminui ou diminui apenas de maneira irrisória.
O salário vira uma espécie de conta corrente sempre negativa com o patrão. Em muitos casos, essas empresas ainda colocam capatazes/seguranças para impedir que o trabalhador ‘fuja’ sem quitar a dívida.
Nesses casos, a redução do trabalhador a condição análoga à de um escravo vira crime (Código Penal, art. 149).
Já no trabalho em condições degradantes, o trabalhador não fica impedido de ir e vir. Mas ele presta serviços sob condições insalubres (calor excessivo e pouca ventilação, por exemplo), sem equipamentos de proteção e segurança (como capacetes, calçado apropriado, luvas etc), má alimentação etc.
Como regra geral, o trabalho escravo é realizado sob condições degradantes, mas nem todo trabalho degradante é escravo. Mas sujeitar a pessoa a condição degradante é crime. Segundo o mesmo art. 149, sujeitar alguém a condições degradantes de trabalho, é reduzir alguém a condição análoga à de escravo. Escravidão para a lei penal é um conceito muito mais amplo do que apenas impedir de alguém de ir e vir.
Ou seja, embora tenham definições distintas do ponto de vista do direito do trabalho, têm as mesmas consequências do ponto de vista criminal.
Aliás, no caso da reportagem, se as alegações são verdadeiras, pode ter ocorrido ainda a terceirização ilícita da mão de obra, da qual já falamos aqui, já que as empresas teriam transferido a atividade-fim para outras empresas menores, que por fim, ‘quarteirizaram’ sua atividades para as empresas onde estavam os trabalhadores em condições degradantes.
Se isso ocorrer e os trabalhadores provarem na Justiça que a empresa terceirizou uma atividade-fim, eles terão direito a indenizações pagas pela empresa que terceirizou, além de terem seu registro em carteira e os mesmos direitos dos costureiros das marcas, inclusive salário.